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sábado, 3 de outubro de 2009

Brasil: juros x consumo

O crescimento de uma economia passa necessariamente pelo aumento do consumo das famílias. Soma-se a este o consumo do governo, os investimentos em bens de capital, as exportações menos as importações. O resultado desta equação nos dá o Produto Interno Bruto.

Neste caso não importa de onde vêm os recursos, o principal é a movimentação econômica por eles provocados. O que leva os consumidores aos mercados? Crédito farto, juros teoricamente baratos e preços baixos. Diferentemente dos consumidores, os empresários buscam crédito farto e subsidiado, impostos menores e possibilidade de elevar os preços de seus produtos, mantendo, com isso, suas taxas de lucros intactas, em que pesem os cenários econômicos vivenciados. Com o advento da crise financeira internacional, algo deveria ser feito pelo governo federal no sentido de garantir o consumo sem mexer nas margens dos empresários. A saída foi trabalhar uma política fiscal que estimulasse o consumo sem desaquecer o setor financeiro.

Os apelos ao consumo sob condições favoráveis não ficaram apenas na mídia paga pelas empresas, o próprio governo se encarregou de convencer o consumidor da comprar independente do quadro crítico que se aproximava. A bola da vez assentava em dois pilares de redução pela autoridade monetária da taxa Selic, ou seja dos juros que remuneram os títulos públicos e também do imposto sobre produto industrializado para aquecer as vendas no setor automotivo, já que este se constitui em um vetor de estímulo da economia.

Por um lado, o governo estava certo, pois, não deixando desaquecer o consumo, certamente o País poderia atravessar os obstáculos colocados pela crise com maior facilidade e prosperar em termos de retomada do crescimento. Por outro, o consumidor, de um lado, aqueceria a economia e, de outro, se endividaria, comprometendo cada vez mais sua renda. A queda-de-braço foi vencida pelo governo e pelo setor financeiro; ao consumidor, coube o prazer da compra e o endividamento de longo prazo. Sem contar que grande parte dos trabalhadores acabou perdendo seus empregos e já se encontra com dificuldades para cumprir com seus compromissos. A chamada do mercado é extremanente convidativa, pois permite ao consumidor comprar um carro popular com taxas de juros de 0,99% ao mês, em um prazo não inferior a cinco anos ou 60 meses. Existe, na maioria das vezes, a possibilidade de começar a pagar suas parcelas quatro meses depois, dependendo do plano, e ainda há negociações que o consumidor sai de carro novo com troco, não existe coisa melhor para o consumidor e para o mercado.

Para os consumidores menos desavisados, propostas tentadoras como estas levam a um custo final em se tratando de carros considerados populares de mínimo 24,9%, superior ao preço à vista. Vejamos como isto ocorre. A aquisição de carro popular, cujo preço à vista gira em torno de R$ 25.000,00, com taxas de juros de 0,99% ao mês em 60 meses, irá gerar uma prestação mensal de R$ 554,59, o que, ao final do contrato, alcançará R$ 33.275,40. O consumidor pagará ao final R$ 8.275,40, a mais.

Em caso de aquisição de um carro na faixa de R$ 50.000,00, com juros de 2,31% em um prazo de 60 meses, a conta ficará ainda mais cara, pois a prestação neste caso não sairá por menos de R$ 1.548,36, levando o valor final para R$ 92.901,60, acréscimo de 46%. Ou seja, para se ter um carro neste sentido paga-se dois. Quem ganha com isso? A concessionária, que recebe a vista; a financeira, que praticamente ganha outro carro; o governo, que perde o IPI, mas ganha de forma indireta, via o imposto de renda pessoa jurídica, pois aumenta o faturamento das concessionárias e, por conseguinte, os repasses tributários destas ao governo; e o mercado, pois continua aquecido.

Quem perde com esse processo? O consumidor, que troca minutos de prazer com o cheirinho de carro novo por uma dívida de longo prazo, que lhe custará no mínimo cinco anos de sacrifício. Perdem também os municícpios em termos de repasses, já que a isenção do IPI lhes reduziu a receita tributária os impedindo de cumprir com seus compromissos perante a sociedade.

Quem é o grande vilão desta história? O Banco Central, pois permite que o mercado cobre taxas de juros abusivas, mesmo que a Taxa Selic seja baixa, mostrando, assim, que esta taxa já não serve de direcionamento para as taxas cobradas no mercado, em que pesem conter todos os riscos considerados pelo mercado para a concessão de crédito.

Para se ter uma ideia, os juros das operações de crédito atualmente são as seguintes: cheque especial (6,43%), crédito pessoal (5,01%), aquisição de veículos (2,31%), aquisição de bens (4,02%), desconto de duplicata (2,90%) e o capital de giro prefixado para empresas (2,26%) em média ao mês, sem a devida capitalização, o que leva a custos financeiros absurdos, para manter os níveis de consumo em alta no sentido de estancar a crise.

No que tange à aquisição de bens, os exemplos não são melhores do que os dados no setor veículos automotores. Para se adquirir um lote de R$ 80.000,00 em um condomínio de luxo na Capital do Estado de Goiás, em um prazo de 24 meses, com taxas de juros de 2,0%, ou seja 50% inferior à média cobrada no mercado para este tipo de aquisição, pagará uma parcela de, no mínimo, R$ 4.020,03, com custo final de R$ 102.512,80, ou seja R$ 21.512,80, ou 21,2% mais caro no final do que adquiri-lo à vista. Concluindo, vencer a crise nos moldes da política monetária brasileira, implementada pelo Banco Central, significa popularidade para os membros do governo federal, em troca do endividamento público, do desequilíbrio fiscal, da redução do superavit primário, do endividamento do consumidor e de ganhos estratosféricos para o setor financeiro, além de dificuldades para o setor produtivo, em que pesem as políticas públicas regionais e nacional de compensação pela elevada carga tributária praticada no País. Fica aí mais um ponto de reflexão para a sociedade em relação ao preço que se paga para consumir e manter a economia em níveis desejáveis para se vencer a crise no Brasil.

Disponível em:
http://www.dm.com.br/materias/show/t/brasil_juros_x_consumo

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