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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A matemática da crise financeira internacional

A finalização do padrão dólar-ouro retirou o caráter representativo da moeda, a colocando como papel-moeda ou moeda fiduciária. O lastro deixa de ser o ponto de referência para sua aceitação, assume o seu lugar a força econômica do país hegemônico, no caso em questão, os Estados Unidos da América.

Se por um lado este processo de reengenharia financeira ocorrido no início da década de 1970 tornou mais flexível o modelo de captação de recursos, por outro, a alocação destes mesmos recursos, lançando mão de passivos e ou/obrigações, tornou as economias mais suscetíveis a estados de crise.

Na verdade, este movimento, associado aos avanços tecnológicos, acabou contribuindo para a transição do processo de globalização econômica para o de globalização financeira.

Em seguida veio o processo de desregulamentação dos mercados financeiros internacionais, a criação dos fundos de investimentos e de pensões, a criação dos mercados de capitais e a utilização cada vez mais crescente dos mecanismos de securitização e de hedge, como forma de proteger os investidores e acionistas nos mercados futuros.

A avalanche de crédito, principalmente no mercado imobiliário das grandes economias, permitiu a aquisição de mais de um ativo fixo por cidadão, chegando em alguns casos a não se fazer o cruzamento de informações, que, direta ou indiretamente, permite, mesmo que em um único corte temporal, conhecer as reais condições de pagamentos dos clientes deste e de outros produtos.

As facilidades oferecidas na época e a necessidade de garantir o afluxo de capital, principalmente nas economias do Terceiro Mundo, para assegurar novos investimentos, acabaram fazendo com que as políticas econômicas adotadas se tornassem combustíveis para o aumento da especulação financeira, prejudicando em muito a curva de desempenho da produção de riqueza nas economias capitalistas.

O momento vivenciado pela economia americana naquele período, fruto ainda do crescimento do capitalismo no pós-guerra, camuflou de certa forma os problemas advindos do processo crescente de financeirização dos mercados globais, que acabaram se aflorando nos primeiros oito anos do século 21.

Na década de 1980, as economias emergentes se viram mergulhadas em um processo de endividamento e com taxas crescentes de inflação. A situação de desequilíbrio fiscal, verificada na maioria das economias, favoreceu o aumento dos preços, haja vista que a emissão de moeda, por parte da autoridade monetária, para conter o déficit entre receitas e despesas públicas, acabava pressionando uma oferta de bens e/ou serviços escassa.

A tentativa, por parte dos governos centrais, de conter os picos inflacionários, principalmente nas economias emergentes, os levou em um segundo momento à prática de políticas monetárias restritivas. O resultado destas ações foi o aumento das taxas de juros e a retração da atividade econômica, favorecendo, em algumas economias, a queda dos preços e, em outras, uma aceleração deste processo, caso específico do Brasil, por adotar o sistema de correção monetária para cobrir possíveis decorrentes de taxas de inflação acima de dois ou mais dígitos.

Na economia brasileira, a pressão inflacionária ganhou novos contornos até a metade dos anos 1990, período em que foi adotado o Plano Real. Os governos que se seguiram elegeram como prioridade o equilíbrio fiscal, combinado com políticas monetárias restritivas, onde as taxas de juros se situam muito acima da média que se pratica na economia mundial.

Por um lado, o tipo de política monetária adotada contribui para o controle inflacionário; por outro, estimula a especulação financeira. Neste cenário, a economia veio se desenvolvendo até a eclosão da crise no mercado americano, fruto, também, de um processo de especulação financeira, tendo como carro-chefe a inadimplência no setor imobiliário.

O agravamento da situação nos últimos quatro meses colocou em xeque não só o sistema financeiro americano como também o mundial. Com isso, os problemas migraram para outros mercados, atingindo também os setores de produção. Os segmentos voltados às exportações têm sido os mais atingidos, principalmente em função da retração nas compras por parte dos países ricos.

A recessão chegou no mercado americano e no europeu, fato que derrubou a produção também na China, principal economia emergente. No Brasil, os reflexos negativos começaram pelo setor automotivo e de eletroeletrônicos no final do ano passado e atualmente já alcança todos os setores pela retração nas vendas, forçando a revisão de investimentos já programados.

Pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria trouxe dados preocupantes, principalmente em relação ao crédito. Para 68% dos empresários consultados, o crédito foi encarecido; outros 49% entendem que os financiamentos ficaram escassos e 21% dos empresários queixaram-se da redução dos prazos de financiamentos.

A escassez de crédito trouxe dificuldades de curto prazo às empresas, principalmente em relação ao capital de giro, fato que levou a CNI a requerer do governo a ampliação dos prazos para recolhimento do PIS/Pasep, da Cofins e do Imposto de Renda Retido na Fonte e da Contribuição Previdenciária, sugestão acatada em parte pelo governo, com a edição da Medida Provisória nº 447/08.

A redução da demanda foi percebida por 56,8%, dos empresários e 40,9%, dos entrevistados apontaram que o preço dos bens e serviços intermediários e dos equipamentos importados se elevou.

Os indicadores econômicos começam a dar sinais de que também estão sendo afetados pela crise. Relatório do Banco Central mostra que as reservas internacionais somam US$ 206,8 bilhões; as vendas líquidas foram de R$ 6,1 bilhões. Dentre as operações realizadas, uma chamou mais a atenção, a referente à remuneração das reservas que alcançou o montante de US$ 561,0 milhões. Os estoques de operações de venda de moeda estrangeira somaram US$ 8,3 bilhões, enquanto os empréstimos em moeda estrangeira foram de US$ 4,7 bilhões.

Neste quadro de incerteza, a dívida externa já chegou aos US$ 200,2 bilhões. A dívida de médio e longo prazo subiu US$ 1,0 bilhão, ficando assim distribuída: US$ 586,0 milhões a primeira e US$ 453,0 milhões a segunda. A matemática da dívida de curto prazo foi melhor trabalhada, tendo esta caído em US$ 7,5 bilhões, totalizando US$ 37,5 bilhões. A amortização líquida de empréstimos em moeda estrangeira e de financiamentos foi da ordem de US$ 3,6 bilhões.

O lado bom da história ficou por conta dos investimentos estrangeiros líquidos, que totalizaram US$ 45,1 bilhões, sendo 30,3% superiores ao verificado no ano de 2007.

Como nem tudo são flores, o lado ruim da história ficou por conta do aumento em 51%, em relação ao ano de 2007, das remessas totais líquidas de lucros e dividendos, que atingiram US$ 33,9 bilhões. No âmbito dos resultados fiscais, houve déficit primário de R$ 16,8 bilhões. No acumulado de janeiro a dezembro de 2008, o resultado foi positivo, ocorreu superávit de R$ 118,0 bilhões, ou 4,1% do PIB. Neste caso, a maior contribuição veio da redução em 0,48% do PIB, no déficit da Previdência Social. Ao descontar os juros, percebe-se que R$ 162,3 bilhões foram apropriados, o correspondente a 5,59% do PIB. No acumulado ocorreu déficit nominal de R$ 44,3 bilhões ou 1,5% do PIB.

A dívida mobiliária federal, menos a do Banco Central, ficou em R$ 1,3 bilhão. Sua estrutura de vencimento encontra-se assim distribuída: 23,9% ou R$ 302,0 bilhões, a ser paga ao longo de 2009; 22,1% ou R$ 279,0 bilhões, a ser paga em 2010; e os 54% restantes ou R$ 683,4 bilhões, a ser paga a partir de 2011.

A dívida líquida do setor público é de R$ 1,1 bilhão ou 36% do PIB. A dívida bruta (englobando governo federal, INSS, governos estaduais e municipais) alcançou 58,6% do PIB em 2008.

Concluindo, embora o governo tenha dito a princípio que o País detinha uma blindagem em relação à crise, o que se tem percebido na prática é o contrário, fazendo com que o próprio discurso do nosso chefe de Estado ganhe um novo tom, trocando a marola pela cautela, diante do cenário vivido por todos, países ricos e pobres.

Disponível em: www.dm.com.br/impresso/7761/opiniao/63311,a_matematica_da_crise_financeira_internacional

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